Ontem, depois de uma semana brabissima dentro de um mês brabissimo, mil atrapalhos no trabalho etc e tal, o marido resolve me tirar de casa pra arejar. Afinal, ontem era sabado. Jantar fora. Onde? Em Paris, temos a dificuldade da escolha, claro, opçoes nao faltam.
De repente tive a inspiraçao: Rôtisserie Sainte Marthe.
O marido se espanta: Onde? La em cima? Por quê? Por que pegar metro e ir pra longe se temos mil possibilidades a dois passos de casa? ("La em cima" significa na parte norte de Paris, nos bairros populares, no caso, precisamente no 20 ème, metrô Goncourt).
Por quê? Bem, pra começar, nao tem muita graça sair pra jantar fora a dois passos de casa. E...
Fomos. Convidamos uma amiga, dessas que se pode chamar na ultima hora, no ultimo minuto, e fomos, ela, seu filho e nos dois.
Foi otimo, otimissimo, como diz Clara Lopez.
Saimos do metro ( quse escrevi "saltamos") e pegamos uma rua feia, num bairro feio, quase tudo fechado, uns barezinhos furrecos, pouca gente na rua, o marido me olhando de banda. A amiga e o filho iam nos encontrar na Rôtisserie. Pedimos informaçoes, entramos noutra rua feia e sem nada, janelas caindo, muros descascando e, de repente vimos uma esquina diferente.
Ja na esquina um barzinho tinha despencado direto da Santa Teresa dos anos 80. Com os frequentadores junto. Luzinhas, enfeites, as roupas das mulheres , tudo.
Entramos numa rua encantadora. Encantadora, logico, pra quem gosta do estilo malandro junto com trabalhador. Casas de dois andares, pequenos edificios, portas e janelas baixas, de madeira. Muitos ateliers de artistas. Muitos bares. Uma antiga rua operaria de um bairro operario, atualmente recuperado pelos "bobôs", os "burguses-boêmios", que é como aqui se chamam nossos antigos "hippies de butique". Mas com muitos " bandidos" , como me disse minha amiga. Muita venda de droga. Como muitos dos "dealers" ( que é como se chamam aqui nossos conhecidos traficantes) sao filhos de pessoas importantes, a policia nao os incomoda. Bem, nos sabemos como sao essas coisas, nao é?
A Rôtisserie é um espaço minimo, com a cozinha integrada à sala e janelas exteriores enormes. Tudo cheio. Ficamos vinte minutos na porta esperando sair alguém. Nada. Quando ja estavamos pensando em entrar no restaurante ao lado, eis que sai uma jovem e nos pergunta se estamos esperando mesa. Confirmamos, meio desanimados. Ela sorriu e disse: - Entao entrem, vou pedir a alguém pra mudar de lugar pra dar espaço pra vocês.
-???
Entrou e, vimos ela aproximar-se de um grupo numa mesa de quatro. Todos sorriram, pegaram seus casacos e mudaram de lugar, se acomodando nas mesas vizinhas. Eram todos amigos...
Ocupamos nossos lugares e veio outra jovem dos anos 70 nos cobrar. Com um sorriso: -"Sou eu que cobro...". 10 euros por pessoa um menu siberiano composto de sopa de carne, nabos e creme fresco numa cumbuca enorme ( maravilhosa sopa), um prato de raviolis de batata com recheio de verduras e molho de creme fresco ( ai, ai) e uma torta recheada de geléia com um molho quente de frutas silvestres por cima. A massa estava meio crua mas o molho era delicioso em sua mistura do doce da geléia e do acido das frutinhas. Uma cumbuca enorme de molho, pra gente se servir à vontade. E... creme fresco, pra quem quisesse. Ainda se tinha direito a uma bebida russa feita com ... pao fermentado. Meio qualquer coisa, devo confessar. O marido gostou mas eu preferi um copo de vinho por 1 euro a mais.
Bem, a comida estava boa - e a sopa estava excelente - mas o melhor era o clima. Pelo que entendi, esse restaurante, do qual ja tinha ouvido muito falar, pertence a uma associaçao de associaçoes. A cada dia uma associaçao o ocupa fazendo um jantar ou um almoço para angariar fundos. Nesse dia caimos numa associaçao que trabalha com ... a Sibéria, nada menos (http://www.federation-fiaes.org/). Todo mundo ali era voluntario, o cozinheiro, as mulheres que serviam às mesas, as outras que lavavam os pratos.
Os copos eram de papel, a louça trazida de todo lado, os talheres idem.
E o clima, minha gente, essa "atmosfera" tao ridicularizada, essa vinha direto do pais das utopias, onde canta o doce passaro da juventude.
7 commentaires:
Que delícia saborear com vocês as delícias da noite.
Lembrou-me “Descalços no parque” (Barefoot in the park) 1967, direção de Gene Sacks, a aprtir de peça da Broadway de autoria de Neil Simon, que inclusive a adaptou para o cinema. Os artistas foram Robert Redford e Jane Fonda. Mas o veterano Charles Boyer faz o papel de um russo (ou polonês, não me lembro muito bem) que os leva a um bar assim em algum lugar de Manhattan. Engraçado que, à medida que lia essa sua gostosa narrativa, ia revendo cenas deste filme.
E acrescento que sempre defendi que a boa dobradinha ou mocotó a gente encontra nos botequins. E isso é ‘vero’, pode crer!
Jonga,
Sua viagem a Guaiba me inspirou.
E você acredita que nunca vi Descalços no Parque? Vou pegar na locadora.
Bises,
Eliana
Certamente que você vai gostar.
Observe bem o papel do Charles Boyer... é uma figura ímpar, um bonachão que arma a maior quizumba em toda a trama do filme. Que aliás é das melhores comédias a que já assisti. Vale a pena. Ou como dizem os lusos: "a não perder!"
Que post lindo, ótima história, encantos mil no jeito de narrar, vontade de estar nesse lugar e seja muito bem-vinda ao mundo dos blogues...:)
beijo,
clara lopez
Em tempo: quando sair leve a câmera, senti falta de "ver" o lugar, a comida, as pessoas... fotografa e posta, pode ser? :)
beijo,
clara
Clara querida,
O problema é que a câmera enguiço. Entrou agua ou calor, nao sei. Acho que calor. Vou ter de comprar outra.
Que bom que você gostou da historia. Me lembrei de nos nos bailes da vida.
Bises,
Eliana
Eu sei, os bailes do pt, a gente descendo (e eu rolando, literalmete) as ladeiras de santa teresa...:) tem gente que continua pegando o trem e nem se deu conta do fim da festa, bom pra eles...:)
beijos,
clara
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