Em memória do poeta Luiz da Veiga Leitão
Uma das maneiras de se visitar Paris é traçar itinerários de praça em praça. A praça de Saint-Michel dominada pela imagem do combate entre o anjo guerreiro e o demônio é um cartão postal da cidade e um de seus símbolos. É um ponto de encontro: além dos usuários de uma das mais importantes estações de metrô - Saint-Michel - ali se cruzam os frequentadores das livrarias existentes dos dois lados da praça, os alunos do segundo grau que lá vendem em setembro, seus livros escolares do ano anterior, manifestantes " de tout poil", músicos e dançarinos de rua, que ali fazem apresentações, turistas, desocupados, mendigos e drogados, que se misturam sob os respingos da água nem sempre limpa do chafariz.
A praça do Odéon , cercada de cinemas, tem ao centro a estátua de Danton, no lugar exato onde ficava sua casa. É um ponto tão animado quanto Saint-Michel , mas sutilmente mais refinado, com seus bares, uma ótima cervejaria, restaurantes e boutiques de roupas e sapatos. Para quem vem do cais do Sena, atras esta o Jardim do Luxembourg e, antes, o teatro do Odéon.
Entre uma e outra praças está a rua de Saint-André-des-Arts, passagem obrigatória em qualquer visita a Paris. Logo no seu início, à direita do chafariz de Saint-Michel temos a pracinha de Saint-André-des-Arts, onde, no verão também há música. Neste último ano ouvi um grupo de cinquentões que tocavam – bonito - os Beatles. Seguem-se lojas de bijouterias e de jogos, creperias sempre cheias, boas e relativamente baratas, uma confeitaria árabe e um pub irlandês. Adiante tem-se um jardim de infância público. Se for hora de entrada ou saída de crianças vale a pena dar uma espiada no pequeníssimo pátio, que tem no centro uma árvore circundada por um banco, como nas ilustrações dos livros infantis de antigamente. Continuando esta o Lycée Fénelon (colégio de segundo grau), publico, muito bem conceituado. Algumas lojas de roupas mais e chega-se à Cours du Commerce de Saint-André, uma passagem parisiense , quer dizer, uma rua coberta , que nos levará à Praça do Odéon.
Construída em 1776, ela é na verdade uma entrada no túnel ou melhor, num caleidoscópio do tempo, onde se misturam diferentes épocas. Ali se situava a gráfica que imprimia o jornal revolucionário “O amigo do povo”, ali se construiu também a primeira guilhotina. Na entrada pela rua de Saint-André des Arts temos dois bares-restaurantes bonitos, animados e decididamente contemporâneos. Seguem-se uma loja de bonsais, aquelas assustadoras miniaturas vegetais que me lembram sempre os pés deformados das chinesas. Em frente havia, até pouco tempo atrás uma casa de chá que parecia saída de um livro infantil: pequena, com poucos lugares, mobília “estilo francês” branca patinada, lustres de flores de cristal, louça parecendo saída da cristaleira da vovó e inúmeras tortas expostas à gula dos passantes: de cereja, de morango, de amora, de cassis (uma torta azul-escuro... ). Agora há um restaurante bonitinho, sem mais. Em frente, uma loja de brinquedos onde ursinhos e outros bichos de pelúcia se harmonizam com fantoches e marionetes. A ruela é estreitíssima, o calçamento é tipo “pé de moleque”, as construções parecem achatadas.
A direita temos uma entrada para o restaurante Le Procope, cuja entrada principal é pela rua de l'Ancienne Commédie, ao lado. Trata-se do mais antigo café de Paris e que, justamente, introduziu o café na cidade, em 1686 , tornando-se logo point intelectual e artístico. No século XVIII os filósofos o frequentaram e consta que foi em suas mesas que Diderot e Alembert tiveram a idéia de elaborar a propriamenta dita “Enciclopédia”. Danton, Marat, Camille Demoulins e mais tarde Musset, Verlaine, Balzac e Huysmans também o frequentaram. Vale a pena visitá-lo, sobretudo pela decoração que consegue ser ao mesmo tempo pesadíssima e maravilhosa, e pelo clima, ao mesmo tempo chique e à vontade. Não é exatamente barato e a comida nao é la essas coisas mas quem quiser jantar antes de sete da noite se beneficia de preços mais em conta.
E atenção à esquerda. Uma entrada, fechada à noite, leva o flâneur à um lugar de sonho: a Cour de Rohan, que deve seu nome ao fato de ter pertencido ao bispo de Ruão.Trata-se de uma sucessão de três pátios cercados de pequenos e maravilhosos prédios residenciais, que vão dar na rue du Jardinet. Embora particular, o condomínio chiquíssimo não pode ser fechado durante o dia porque - coisas de Paris - uma escola pública primária ali tem uma de suas saídas. O que é uma sorte para todos, que assim podem apreciar não apenas as construções que aproveitam todos os centímetros do espaço mas também o uso das flores e plantas em geral na composição desse cenário de simplicidade elegante. Não é à toa que pintores e desenhistas dão plantão ali.
De volta à Cours du Commerce, temos a Maison de la Catalogna, com seu centro cultural moderno e antenado e seu restaurante, relativamente barato, desta vez. Enfim, a passagem se bifurca. Se seguirmos em frente, sairemos na praça do Odéon passando por um bar australiano da moda. Sempre animado. No entanto aconselharia virar à direita, para sair pela rua da Ancienne Comédie. Bem no ângulo há um bar restaurante desses nos quais se tem de tomar ao menos um copo de vinho, ao menos para se sentir parte do ambiente composto de lustres, reflexo de copos e cortinas. Procure uma mesa que deixe ver a passagem . Se tiver sorte, na primavera ou no verão vai aparecer um músico na porta. Da última vez em que lá estive uns rapazes tocavam um chorinho brasileiro.