Em Paris o tempo parece aprisionado. Nas ruelas e pracinhas do Quartier Latin o movimento do comércio e dos bares, dos estudantes e dos turistas deixa perceber um barulho de saias longas, de carroças, de palavrões e de injúrias vindas de outros tempos. Difícil, passar pela Conciergerie e não ouvir os lamentos de Maria Antonieta contra os nobres e também contra a Igreja que a abandonara, impossível entrar na Notre Dame e não ouvir o zum-zum dos presentes à coroação de Bonaparte. Como passear pelo “sezième”, a chiquissima décima-sexta região de Paris, pelos subúrbios ultra-chiques de Neully, Passy e Auteuil ou ainda pelo bois de Boulogne, sem pensar na Condessa de Ségur e, evidentemente, em Proust ? Vista das pontes do Sena ou das escadas do Sacre-Cœur de Montmartre, a paisagem nos faz sentir parte de um filme, ou melhor, de uma filmagem, na qual nos sentimos atores garantidos pelo roteiro. Condensando as épocas e perenizando sentimentos e impressões.
Nessas circunstâncias é difícil aceitar que a cidade permanecerá ainda por muito tempo mas nós estamos só de passagem. E pior ainda, que o fim da viagem é tão penoso que quase não se fala dele. Quem quereria falar não encontra muitos que queiram ouvir. O bom-tom quase que exige que, sobretudo as mulheres, a partir de uma certa idade, saiam de cena o mais discretamente possível. A praça seria dos jovens como céu é dos pardais parisienses.
No entanto, a geração que inventou a juventude está hoje reinventando por aqui a velhice. Depois de passar por ginásticas, plásticas e pílulas miraculosas para prolongar a força e a beleza está procurando encarar o inevitável e fazer com ele o que for possível. Afinal, a expectativa de vida por aqui está em torno de 80 anos e as ruas mostram que a realidade ultrapassa essa perspectiva. Esta geração que viu seus avós serem postos em eufêmicas casas de repouso e nao sabe bem o que fazer com seus próprios pais idosos está-se dando conta de que sua vez está chegando. E resolve enfrentar o fato de que as tais “casas de repouso”não são a melhor solução. Pelo menos não para o principal interessado, o idoso solteirão ou já viúvo, que preferiria morar com alguém ou continuar em sua própria casa. Mas como, numa sociedade ainda baseada em valores individualistas? Como, numa sociedade micro-familiar? Como, nos geralmente mínimos apartamentos parisienses, onde muito frequentemente não há elevador e onde os banheiros, já pequenos, são geralmente longe dos quartos?
Em Paris procura-se pensar o problema. E já se encontraram algumas soluções, de ordem econômica, ao menos. Assim, os idosos dependentes ou semi-dependentes com menos recursos contam com ajudas financeiras da prefeitura, estejam eles em sua própria casa ou já num estabelecimento geriátrico. Se permanecem em sua propria casa podem contar com ajudas financeiras destinadas à contratação de serviços domésticos, ou de ajuda para as atividades cotidianas (banho, por exemplo) ou regulares (lavagem dos cabelos, corte, pedicure especializada, compras, etc). A adaptação dos apartamentos às novas condições de seu habitante são igualmente apoiadas financeiramente. Se estao num estabelecimento geriatrico, podem contar com uma ajuda financeira para o pagamento da instituição. O Estado estimula também o acolhimento dos idosos em família, a sua própria ou outra. Quem recebe um idoso recebe também uma ajuda financeira, além de um desconto no imposto de renda. Há famílias que complementam seu orçamento dessa forma. E temos de levar em conta que a assistência médica, incluindo-se aí os remédios, é coberta em média em 70% pela Previdência Social e que a maioria das pessoas conta com um seguro-saúde que cobre os 30% restantes.
Por outro lado, uma nova geração de idosos começa a se formar, diferentemente da precedente. Avôs e avós que estão hoje ainda na plenitude dos 50, 60 anos , alguns ainda na vida ativa, voltam, como seus próprios avós, a tomar conta dos netos. As gerações começam a se reaproximar.
Começa assim a tomar forma um novo movimento de solidariedade intergeracional. Num dos centros do chamado “primeiro mundo” começa a se estruturar socialmente a consciência do tempo que passa para todos e para cada um. Com seus desgastes e com seus valores. Condensando as épocas e perenizando impressões e sentimentos.
3 commentaires:
Eliana,
Muito bom!!
Foi uma das melhores crônicas sobre o tema que já li nos últimos tempos.
É um momento difícil na vida de qualquer um e em qualquer lugar (aqui no Brasil não está muito diferente da França).
Primeiro, por que somos a geração que inventou a juventude, me explica isso direito depois, viu?
E eu quero falar, sim, demais, a propósito de
"E pior ainda, que o fim da viagem é tão penoso que quase não se fala dele. Quem quereria falar não encontra muitos que queiram ouvir."
É a mais cristalina verdade que ninguém quer ouvir falar disso, mas eu quero muito, e vou e já estou falando nem que seja só para mim mesma, de velhice, de morte, de fim, de luto, dessa coisa toda, e estou tb cada vez mais sem paciência alguma para os jovens, para as bobagens, para os começos, para tantas coisas. Enfim.
beijo,
vera
Eliana, você trouxe um tema complexo e de extrema importância, aqui no Brasil, seremos muitos milhões de idosos na próxima década. Não estamos preparados e fala-se pouco no assunto. E é assustador imaginar como vamos lidar com toas as necesidades sem NENHUM apoio do governo. Esse dilema das residências com escadas vivo na própria família. E quando não há recursos, os idosos ficam literalmente presos. Nem com toda compaixão conseguimos dar qualidade de vida. Problema sério!
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