Passear pelas ruas de Paris é flanar no meio da tentação. Eu sei, eu sei, queremos todos ser magros, belos, ágeis , musculosos, usar as roupas da moda e exbir pele de pêssego. E não queremos desenvolver diabetes. A propaganda nos impõe um padrão de beleza difícil de acompanhar quando não se tem mais vinte anos, e as revistas não permitem que a gente se engane quanto à melhor forma de se alimentar.
Mas... um simples passeiozinho pela cidade exige assim mesmo toda a força de vontade do mundo para que nossas boas intenções não se esborrachem. Porque, para começar, as padarias estão por todo lado. Rivalizando entre si. Disputando o mérito de produzir o melhor pão. Volta e meia, uma revista exibe como reportagem de capa uma pesquisa sobre os melhores pães da cidade, o que significa que o tema faz parte das preocupações cotidianas dos parisienses.
De fato, merecem mais que uma reportagem, merecem um estudo, as padarias de Paris. Porque, ainda por cima, elas não vendem só pão, oferecem também tortas super apetitosas, lindas e cheirosas, doces e salgadas. Por exemplo, no perímetro em que circulo cotidianamente, entre a praça Maubert e a praça do Odéon, há pelo menos quatro estabelecimentos a evitar por amor à linha. Na praça Maubert é preciso fugir dos pãezinhos com chocolate ou com passas, além dos chocolatinhos que se vendem em lindas caixinhas tão pequenas que se acredita em sua inocência.
Subindo a rua Monge, pertinho, temos a alsaciana Kayser, com baguettes, quer dizer, bisnagas, de todo tipo: com farinha branca, com farinha integral, feita à moda antiga, à moda moderna, à moda da padaria, etc etc. Todas ótimas, com as pontas torradinhas. Tem sempre fila e os fregueses saem pela rua invariavelmente comendo mais ou menos discretamente as pontinhas. Ao lado dos caixas as espertas gerentes põem cestinhas de vime com as novidades do dia partidinhas, ao alcance da mão do freguês ou de seus filhos. Pães com salame, com nozes, com avelães ( chamado “pão do esquilo”) , com ameixas, com queijo. É provar e, logico, comprar. E uns medievais enormes pães redondos, e umas brioches com e sem recheio que fazem realmente lembrar os gostos daquela austriacazinha avoada que andou dizendo umas bobagens em Versailles no fim dos 700 e acabou literalmente perdendo a cabeça.
E as tortas? Entre a de creme com cerejas e a de chocolate com morangos a escolha é realmente duríssima mas a campeã é mesmo a charlotte com amêndoas e frutas vermelhas , quer dizer, framboesas, groselhas e mirtiles.
Do lado da praça do Odéon , na rua de Buci, está a padaria e confeitaria Carton. Ao passar por ali cuidado com os docinhos expostos na vitrine. Sao mini mil -folhas, macarons (um tipo dos nossos conhecidos bem-casados) loucamente cor-de-rosa, éclairs (bombinhas) de café, mini tortinhas verdes de kiwi. Delicados nas bandejinhas, parecem de porcelana. Mas são de açúcar, farinha, ovos e outras combinações mortais. Lá estão também os melhores croissants da região.
Três passos adiante há uma loja do Paul, outro alsaciano, que exibe através de suas largas vidraças, a fabricação de seu pão. Podemos assim, da rua, acompanhar a massa saindo da enorme batedeira , sendo trabalhada pelos padeiros, entrando e depois saindo dos fornos. Um espetáculo a apreciar. Dentro, um salão de chá com enormes lustres de cristal onde se pode tomar um bom chocolate quente. Os pães são excelentes. Lá aprendi que o sésamo serve não só para abrir cavernas mas também para temperar massas. As tortas são ótimas também e na época do Haloween fizeram umas maravilhosas, de chocolate negro com laranja.
E para terminar, como nem só de padarias vive a maldição da gula, entre essas duas praças há a Pâtisserie Viennoise. Fundada em 1928 por um casal de húngaros, fica em frente a um auditório da Sorbonne, num prédio construído por Luís XV para ser escola de desenho (prédio que, diga-se de passagem, vale a pena visitar), na rua de l’Ecole de Medécine, número 8. São duas salas pequeninas sempre cheias e enfumaçadas com uma constante fila na porta. Na hora do almoço pode-se comer um bom pedaço de deliciosa torta salgada ( de frutos do mar, por exemplo) com uma salada por preços muito razoáveis. E como sobremesa ou na hora do chá, preparem-se para a arte da escolha: tarte tatin (torta de maçã caramelada assada no fundo da forma) ou strudel com creme chantilly? Torta de chocolate com nozes? Com maracujá? Torta de damasco com avelãs e pistaches? Ou quem sabe apenas um sóbrio café vienense (com muito creme) e uns biscoitinhos sablés?
E depois, ah, depois de tantos crimes tem de vir a expiação: quinze dias de dieta da sopa.
6 commentaires:
Nossa, não ia sobrar um osso no meu já pouco magro corpinho... que coisa é a tradição de muitos séculos fazendo coisas boas, né mesmo, querida, pq ninguém faz essas maravilhas de um dia para o outro, nem 'dando jeitinho'...:)
beijo, vc tava sumida,
clara lopez
Cara, é meio frustrante isso de escrever em blogue, né não? vc escreveu um post legal, com vários parágrafos interessantes, e só euzinha produzi um mísero comentário, dá vontade de parar com essa coisa, ficou meio sem graça pra mim agora...
beijo,
vera
Querida Clara,
Acho que a coisa funciona meio assim mesmo, nao é nao? E como caixa de correio, quem escreve muito recebe muitas cartas e eu ando sumida das casa dos amigos por absoluta falta de tempo - estamos vivendo um momento tenso aqui com uma greve monstro que se arrasta e complica a vida de todos, inclusive a nossa. Imagine você que tenho acopanhado quase todos os blogs que acompanho mas nao tenho tido tempo pra deixar minha carta de visitas na corbeille, como nos velhos tempos que nao voltam mais ( Nao era um charmant costume?) Nem agradeci ainda a Kovacs ter-me incluido numa lisyta otima de blogs, inclusao que muito me lisonjeou, pra dizer o minimo.
E ter você como leitora assidua, querida, nao é pouco nao...
Por outro lado, uma das funçoes do blog é organizar a cabeça da gente, né nao?
Quanto ao seu, por favor nao desista!!!
Bises,
Eliana
Em primeiro lugar não precisa agradecer por incluí-la em uma lista de blogs de qualidade, pois gosto muito de divulgar informações de utilidade pública, é uma função básica do meu blog.
Quanto à ótima postagem, só vou destacar uma expressão: "pele de pêssego" ou "peach skin". Para quem gosta de literatura a ligação com Lolita de Nabokov é imediata. Parabéns pelo bom gosto!
Clara, peço que você pare com essa brincadeira de blogs alternativos e volte a publicar resenhas de literatura diariamente como Clra Lopez mesmo (Clara Lopez é uma referência a Clarice Lispector?).
Amigas, bom final de semana!
Eliana, dear, eu entendo seu argumento, mas está faltando um tantinho de paciência para esse ofício de blogueira, vou deixar as coisas acontecerem no ritmo delas e relaxar mais.
Kovacs, vc é sempre muito gentil e sei que gosta das resenhas, mas não tenho mesmo condições de fazer uma resenha por dia, eu não leio tanto assim.
(quem lê um livro por dia, ou quase, é a isabel, que vc conhece, e tb tem pouquíssimos visitantes para tanto trabalho... ). Enfim.
O meu heterônimo não vem de clarice, quando criei só pensei no clara, querida o clara pq acho bonito, mas o lopez veio de lugar nenhum...)
um abraço para a dona do espaço e para o visitante,
clara lopez
De minha parte, só posso dizer que fiquei com água na boca depois das descrições tão tentadoras.
E outra coisa, dá uma vontade danada de voltar a Paris!
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