Sobre a questao da morte e da dor, por exemplo. Estou andando pela rua e de repente ouço um capitulo do "Cavaleiro da Noite": os inimigos caem num covil de serpentes. Esta tudo escuro e eles de inicio nao compreendem onde estao. Começam entao a sentir as primeiras picadas. Nao sentem ainda dor mas sabem que vao sentir. Ai chega o heroi do momento, que é um dos companheiros do propriamente dito Cavaleiro da Noite, André, o gigante. Com sua alta estatura ele pode se equilibrar sobre as pedras do buraco. E ele tem um archote. As cobras, como ficamos sabendo, temem o fogo e se afastam. Os inimigos pedem a André que atire neles antes que o veneno das serpentes os faça sofrer. André, que nao guarda ressentimentos, da um tiro em cada um deles, com o beneplacito da voz autoral. Alias, em qualquer polar e em qualquer faroeste se vê a morte como saida limpa para uma situaçao de dor. Também no fim de "Homens e ratos", de Steinbeck, da-se a mesma coisa: o heroi , carinhosamente da um tiro na nuca do amigo-irmao, de modo a nao deixa-lo ser preso pelo assassinato que cometera involuntariamente.
Sobre sexo e amor: havia quando eu era garota uma revista chamada "Querida", que publicava contos evidentemente de amor. Revista cuja leitura era, evidentemente, proibida às meninas em flor. Mas que eu lia na casa de uma tia, por ocasiao dos almoços familiares. Eram contos americanos ou entao feitos à maneira de. As historias se passavam em pequenas cidades americanas, tao diferentes das brasileiras que às vezes os detalhes sociais chamavam mais a atençao da leitora que a trama erotico-amorosa. Eram garçonetes e mecânicos, operarios de fabricas e pequenos comerciarios que pareciam todos viver tao bem, em casas com tantos eletrodomésticos e roupas e sobretudo carros, com tanto tempo livre e dinheiro para passeios e cinemas e reflexoes que a jovem leitora se perguntava se estava compreendendo bem o que era uma garçonete ou um mecânico. Havia também o problema de com quem deixar os filhos e a leitora se perguntava onde estavam as familias daqueles individuos, onde estavam as avos e tias e primas solteiras, que em Niteroi, nessa época, se encarregavam de resolver esse tipo de problema. Nessas cidades as pobres maes eram obrigadas a deixar seus filhos com velhos vizinhos tarados, que abusavam das crianças que so a muito custo conseguiam se queixar às maes.
Mas de uma historia eu guardei um trecho muito interessante. Tratava-se da decisao da heroina de ter a primeira relaçao sexual com o namorado. As escondidas de sua mae, naturalmente. O namorado, que é mecanico - a revista tinha decididamente um fraco pelos mecânicos -, vai todos os dias depois do trabalho direto pra casa da namorada. Esta lhe prepara o jantar enquanto sua mae esta no trabalho. Bem, nesse dia, ela descreve o aspecto cansado do rapaz ao chegar. Ele lava o rosto e as maos - os gringos sao limpos - e ela lhe serve a comida. E vai observando os sinais de fadiga desaparecerem do rosto dele. E ai, diz ela, " eu soube que certo ou errado a hora tinha chegado." Claro que nao posso jurar mas acho que as palavras sao mesmo essas. Que ficaram pregadas por dentro na minha cabeça. Amor como sexo, como explica Rita Lee. Depois fui compreendendo que na composiçao do amor havia um outro elemento que nao era visivel a olho nu: faltava "a historinha". Mas essa é uma outra historia.
3 commentaires:
Que bom! Até que enfim voltou!
Vamos continuar lendo, recordando, relendo, enquanto a vida segue...
Eliana. Gostei de revê-la aqui no seu blogue. Recuerdos e associações interessantes... São como as músicas que nos remetem a tempos e fatos. De repente elas tocam no rádio e a gente se lembra de alguém, de algum período ou acontecimento.
Enfim, a vida é uma cadeia que se liga por sensibilidade.
Lindo texto, querida, lindíssimo texto de rentrée... eu acho que a literatura salva mesmo, não naquele sentido babaca de que as histórias elevam etc, mas, entre outras razões, por ser esse repositório imenso de situações onde nosso imaginário já achou ou acha lugares onde se colar e ficar hospedado até o fim dos tempos (ou do horror).
Enfim, um beijo grande, força e que a vida nos sorria, mesmo que à sorrelfa (caramba, onde achei essa palavra? :)
vera
Enregistrer un commentaire