Com um grupo de amigos fui assistir ontem ao Beijo no Asfalto, no Glaucio Gil. Gostei muito. Mesmo que hoje a imprensa nao tenha mais o mesmo poder, o tema que o diretor escolhe como viga-mestra da encenaçao - o poder da calunia, o boato que se torna verdade, a corrosao das certezas , a transformçao do parecer em ser e o isolamento do individuo acuado pelo grupo - continua atualissimo. O Beijo é minha peça preferida de Nelson e ouso dizer que é unica que nao envelheceu. O clima é aflitivo, a angustia aumenta até o fim do espetaculo. Os atores estao todos muito bem - Xando Graça como Amado Ribeiro, o "dono" do espetaculo, de fato domina a cena, excelente. Excelente também a "Selminha", com todos os matizes da personagem. O delegado Cunha e o policial Aruba sao um pouco prejudicados ela juventude e beleza dos (otimos) atores que os interpretam. Claro que atualmente ha policiais tao jovens quanto eles mas aqueles personagens exigiriam gente mais velha. O cenario e a iluminaçao sao excelentes, o programa é muito interessante. Tomo coragem pra fazer três pequenas criticas à direçao de Cesar Rodrigues e à codireçao de Roberto Bomtempo: A cena do beijo nao deveria existir, o beijo narrado é que é o que é; a cena final é over pra um espetaculo tenso na medida. Sei que a rubrica do texto pede que o pai saia aos berros gritando Arandir, Arandir. Mas dentro do espetaculo criado, pede-se a sobriedade de um murmurio; ha algumas expressoes que o elenco com certeza nunca ouviu "de verdade" e que, portanto, diz menos bem: " Batata!", "assim assim", por exemplo. Mas tudo isso é detalhe e detalhe infimo. No conjunto o espetaculo é emocionante e, sobretudo, se estende rua afora, a platéia sai refletindo e discutindo. De fato, o teatro politico esta de volta.