Que fazer nas pausas do trabalho?
Ha os que fumam ( sou contra o cigarro), os que tomam um café ( eu tomo cha enquanto trabalho), os que saem pra dar uma voltinha...eu leio um romance policial.
As vezes dois paragrafos, às vezes um capitulo inteiro, é conforme. E leio também pra desligar o motor à noite, pra poder dormir. Policiais. Aquele labirinto em que é so seguir o fio pra sair incolume; aquela engrenagem que se monta diante dos olhos do leitor.
Policiais e também politicos e "judiciarios", estes ultimos tendo a seu favor (e contra eles) sua maior complexidade e sua demanda de reflexão. O melhor de todos é, sem duvida, John Le Carré. "A garota do tambor" é uma obra-prima, assim como, "O espião que veio do frio", creio que seu romance mais conhecido.
Esplêndidos são George Simenon, Ken Follet e Scott Turow.
Muito bons sao também Michel Connelly, Mary Higgins Clark, Patricia Cornwell (menos), Jonathan Kellerman (menos), Patricia McDonald, Mickey Spillane, Raymond Chandler, Rex Stout, Dona Leon (mais que muito boa)e Ruth Rendell. Descobri recentemente o unico livro de Ned Crabb, também muito bom.
Anteontem comecei a conhecer San Antonio (Frédéric Dard): muito ruim, apesar da fama. Estou lendo "Les deux oreilles et la queue" ( "As duas orelhas e a cauda"). O autor explica, na contracapa que se trata do prêmio maximo que recebe um toreador por um excepcional desempenho. No livro, em que toreador e touro sao respectivamente o inspetor e o criminoso, o titulo tem um duplo sentido pois o policial trabalha com suas duas orelhas, claro e com... digamos... seu orgao sexual, que em francês popular é chamado de "queue". Ou seja, o titulo ja entremostra o conteudo.
O romance é ruim, repito. Afirmo mesmo sem ter terminado a leitura. E ouso dizer que San Antonio, autor e personagem, é ruim. Trata-se de um pastiche assumido estilisticamente de Simenon, utilizando-se de personagens reais, Mitterand, o ator Patrick Sébastien, etc), de référencias literarias ou culturais ( até jornal popular na Franca usa référencias literarias). Um romance que se faz em clin d'œil, piscadela, para seus contemporâneos, que se sentem imediatamente parte "da tchurma". E escrito numa deliciosa linguagem popularissima, pontilhada do jargao policial e reproduzindo a fonética popular. Verdadeiramente engraçada. Deliciosa, como disse.
Mas... continua sendo muito ruim. Ou talvez por isso mesmo é muito ruim. Porque o romance é violentissimo e banaliza a violência por sob sua linguagem preciosa - o termo é este -, preciosa por seu valor documental e por sua caracteristica trabalhada.
Nesse as mulheres sao todas depravadas, quanto mais bem vestida e burguesa mais depravada. Nele, gostar "da coisa" so é aprovado para um homem. Que alias é sempre bem dotado e competente, nao importa a idade ou a situaçao.
O romance advoga uma policia sem limites, com plenos poderes outorgados por um presidente da republica com medo dos américanos. Uma policia que esta acima da lei, que interroga sob tortura, que por vezes -oops - mata um sob tortura, claro que sem querer, acidente de trabalho, como adivinhar que um cara de 40 anos tem coraçao fraco? Esse... - esquadrao da morte? Nao, que é isso, eu ia dizer essa "brigada especial" é muito competente e obtera sem duvida sucesso em sua missao. Protegera os pobres cidadaos desvalidos das ameaças externas. O que nao se pode fazer dentro das leis que amarram a policia, o 1° dos franceses compreende a situaçao.
O romance é de 84. Nesse momento os franceses ja tinham de ser mais espertos. Sera que estao mal acostumados? Nao sabem ainda que entre realidade e ficçao ha mais do que sonha nossa fantasia? Leitores de La Fontaine, tomara que nao acabem como as rães que queriam um rei...