Quando chegamos a Paris, em janeiro de 1991, nao havia pobres. Ou ao menos nao havia pobres visiveis. Nada de criança na rua, poucos mendigos, todos visivelmente destruidos pelo alcool, com seus rostos vermelhos, maos grossas e olhar embrutecido. Havia também alguns jovens drogados. Poucos, perdiam-se numa populaçao que parecia organizada e sem problemas sociais.
La se vao dezoito anos e a sociedade parisiense mudou diante de nossos olhos. Muito.
As estaçoes de trem sao um dos cenarios dessa miséria. De manha cedo, os felizes ocupantes de um emprego cruzam com toda uma populaçao à margem da sociedade do trabalho. Todo um lado da Gare de Lyon, por exemplo, tem seus bancos ocupados pelos mendigos que la dormem e que, acordados antes das 6 da manha pelos transeuntes, se esforçam por assumir a postura de quem esta de passagem. Dificil, dadas as sacas de plastico que carregam, caracteristicas, os olhos vermelhos de alcool, o desalinho, o olhar perdido. Na França o trabalho é honra e a exclusao do mercado é a morte social.
Ha os ciganos que so podem esmolar. Nas filas dos cafés, na porta das bancas de jornal. As moças, longas saias, longos cabelos, chegam a entrar nos trens, sempre duas a duas. De longe, os homens as protegem. Têm os cabelos gomalinados como mafiosos de filme, jaquetas e tênis de solas grossas.
E ha os que vendem jornais feitos por associaçoes de " sem teto". Dentre esses, muitos idosos. Ha uma senhora que se apresenta sempre muito arrumada, maquiada, cabelos pintados de louro e presos num coque bem feito. O jornal custa pouco mais que um café: 2 euros, dos quais o vendedor percebe 1. Sinto que pra ela é tao importante meu cumprimento quanto a moeda com que lhe pago.
Hoje ela nao estava la. De repente, perto do quiosque de jornais, vi à minha frente uma mulher que me pareceu uma velhinha - mas que provavelmente é pouco mais velha que eu - baixinha, arrastando duas grandes malas de rodinhas. Parou à minha frente, precisava de uma informaçao, com certeza. E, baixinho, me pediu um trocado - "une pièce". -Ahn? Ah, claro- e consegui sorrir tentando ser natural. Consegui? Mas valeu o esforço pois ela sorriu de volta e elogiou minha bolsa: - Bela bolsa! Dourada, bem na moda! - Pra chamar o ouro! respondi. E rimos cumplices, como freguesas que se encontram numa butique. Como atrizes sobre o tabulado.
4 commentaires:
Bonito texto, madame, vous écrivez chaque jour mieux, é triste ver a decadência chegando bem à nossa frente, é diferente daqui, onde ela já está instalada, a gente já passa mais batido...
E a gripe, não está te preocupando não? Como as pessos comuns estão sentindo uma possível pandemia? Eu confesso que estou meio assustada.
beijo
clara
Querida Clara,
teus elogios me font chaud au coeur.
Quanto à gripe, os franceses estao convencidos de que ha um escudo protegendo a França...você pensa que inventamos o " Deus é brasileiro"? Noao senhora, importaçao e adaptaçao, simples assim.
Bises,
Eliana
E dizer que no passado havia uma musiquinha que dizia "(...) somos os pobres de Paris, etc" em que a poesia era a nota principal.
Talvez fossem como os "vagabundos" ingleses de outrora.
Também não me lembro de mendigos aparentes na cidade luz. Mas, como tem tempos que não vou aí...
E deus... Se fosse brasileiro não estariamos passando o que passamos com nosso políticos (e juízes). Creio que o diabo, ah!, este sim é brasileiro.
Gostei da postagem, nos faz refletir sobre um assunto que em geral evitamos.
Aqui no Rio, a prefeitura de tempos em tempos, tenta fazer uma “limpeza” da cidade, levando os mendigos e sem teto para os abrigos. Mas no dia seguinte estão todos de volta. Alguns se tornam alcoólatras ou drogados, há outros que se tornam agressivos e pequenos ladrões, e ainda há os que estão lá por opção e não por necessidade. São tantos e há tanto tempo que já fazem parte do cenário, muitos nem os notam, ou fingem que não. Eu não consigo, mas afinal, o que fazer? Seria caso de deficiência de políticas públicas, que não tem um bom programa de reinserção dessas pessoas na sociedade? Seria o caso de mudança da atitude da sociedade, que ajuda a mantê-los, dando esmolas? Quando aprendemos um pouco sobre a história dessas pessoas, a solução não parece ser tão fácil. Não sei se podemos ajudar quem não quer receber ajuda.
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