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Meu pai se orgulhava de ser policial. Orgulhava-se de ser um representante do Estado na proteção dos mais fracos – « Para isso serve a polícia » – nos dizia ele frequentemente. Como policial percorreu todo o Estado do Rio, conhecendo todos os seus municípios e sobre eles fazendo anotações que consignava em seus cadernos. Em termos acadêmicos, diríamos que ele aproveitava as diligências policiais para fazer o « trabalho de campo » que nutririam mais tarde sua produção. Como policial, conheceu também os vários estratos sociais pelos quais transitava com o espírito republicano de que estava imbuído . Nao esqueçamos que, nascido em 1911 e tendo vivido na juventude a Revoluçao de 30, a questão da República, do Estado para todos, estava muito presente em sua figura, diria mesmo que o constituía. Do soldado ao desembargador , meu pai se orgulhava de se dar bem com todos os servidores da República. Quando, nos duros anos 70 minha irmã e eu o interrogávamos sobre as acusações de corrupção na polícia, ele se defendia com uma calma desarmante . Dizia que nosso padrão de vida provava que vivíamos do produto dos salários dele e de minha mãe. Filho de familia de poucos recursos, sem história, sem título acadêmico, meu pai, com seu trabalho intelectual, atravessou a fronteira entre a universidade - o conhecimento especifico - e a esfera culta da cidade. Com seu amigo Ary Guanabara, cuja memória faço questão de honrar aqui, foi um intelectual no sentido profundo da expressão, que não indica o conjunto dos homens “de colarinho branco », por oposição ao conjunto daqueles «de macacao azul » mas indica sim aquele que reflete e põe em questão o instituído. Que acredita na força do pensamento e crê que « as palavras são obras », como diz o último coro de Prometeu Acorrentado, de Esquilo, a peça que, no inicio dos anos 70, encenamos no grupo de teatro Laboratório, da Universidade Federal Fluminense, codirigida por minha amiga Imara Reis que nos honra com sua presença.