Ontem, com amigos, fui assistir ao Tartuffe, pela Comédie Française. Bem, pela Comédie Française, um texto de Molière, a gente ja sai de casa tendo adorado, claro. So que nao. A cenografia é o ponto alto da montagem, um palco dividido em três espaços multiplicados por grandes espelhos, bem no barroco, adereços de cena muito interessantes ( todos dizendo respeito à luz, à possibilidade de "ver bem", uma mesa de banquete (a voracidade) posta de modo a quebrar a horizontalidade do palco e mascaras impressionantes para a cena final . A luz, bonita e eficaz, indo na mesma direçao que a cenografia, assim como a musica. Ja o figurino me pareceu confuso, nao ficou claro por que misturava épocas diferentes e nao caracterizava os personagens. E que dizer dos atores da Comédie? So podem ser excelentes, claro. Pois é. Um Tartuffe maravilhoso e um Valère otimo, que sacode a cena, mas uma Elmire com volume de voz inadequado e em todo caso inferior ao do resto da troupe. E uma Dorine pouco caracterizada, se distinguindo com dificuldade de Elmire. O problema , para mim, claro, esta na concepçao do espetaculo. Nunca tinha visto um Tartuffe, foi a primeira vez que vi o texto em cena. E fiquei o tempo todo imaginando o que eu gostaria de estar vendo... O primeiro ato entao, quase dormi. Texto, texto, texto, os atores que discursam enquanto trocam de lugar no palco como numa contradança. O texto é denso, é verdade, mas teatro nao é so texto nem principalmente texto. Depois de uma cena de cortina pouco brilhante, o segundo ato toma fôlego e a cena final é otima, texto e recurso cênicos: teatro. As mascaras refletidas nos grandes espelhos e a surpresa final sao muito bons. O publico adorou, casa cheia ( o Tartuffe é um classico da Comédie) e umas cinco cortinas. Mas fiquei pensando na concepçao. Que me pareceu estétizante, quase ... eu disse quase, heim! ilustrativa. Antes do grand finale eu me perguntava se os espelhos nao serviam afinal apenas para o reflexo de alguns trajes... Se alguns dos figurinos (como os de Marianne) nao serviam apenas para lindas poses ( Marianne linda ajoelhada como o miolo de uma corola de tafeta marfim, com o corpo e o coraçao retalhados por fitas vermelhas) . Por vezes o grupo em cena me fez lembrar dos quadros vivos - mas sem que ficasse claro que era justamente essa a intençao, porque se tivesse ficado claro, teria sido um achado! Fiquei pensando... para ser profundo é preciso ser grave? Um Molière pode ser grave?
Samanta Schweblin - Kentukis
Il y a 1 semaine