Um de meus amigos, durante muito tempo professor de francês na Alliance Française de Paris, me disse um dia como ele distinguia imediatamente, entre suas novas alunas, a brasileira : era aquela que olhava diretamente nos seus olhos e abria um enorme sorriso ao cumprimenta-lo pela primeira vez.
De fato, em Paris – ao menos na Paris que conheço, sao tantas as cidades de uma so cidade - nao se sorri como no Rio – no Rio que conheço, etc etc.
No Rio, quanto mais largo mais bonito o sorriso e sorri-se com o rosto inteiro. Uma de minhas amigas queixava-se mesmo outro dia, de que o Botox recém-posto impedia que ela sorrisse com os olhos. Em Paris, o sorriso deve ser mais comedido, deve ser comedido. Um leve e elegante repuxar dos labios, ja exprime suficientemente simpatia e acolhimento. Mais que isso, tem-se a vulgaridade ou, pior ainda, a subserviência. A menos que se trate do sorriso irônico, labios puxados pra baixo, sobrancelhas levemente pra cima. Enfim, sao codigos e quem escolhe a chave errada não pode se queixar de que a fechadura nao abra. E com a pratica se aprende a organizar o chaveiro.
Mas outro dia uma colega parisiense sorriu de um outro modo muito meu conhecido embora ha muito tempo esquecido. E me lembrei de que no Brasil também muita gente sorri assim : labios levemente entreabertos num rosto que parece nao visar a ninguém. O olhar que atravessa os interlocutores parece se dirigir mais ao proprio sorridente, como se um pensamento muito grave o atravessasse, retirando-o do ambiente fisico em que se encontra. Lembrei desse sorriso nos labios de maes de amigas e nao amigas chiques do tempo de colégio ; no rosto de colegas que se querem neutros numa reuniao em que as opinioes divergem ; em figuras mais ou menos importantes que têm de atravessar espaços publicos sem serem antipaticos e sem serem incomodados pelos que se julgam seus amigos ; no nucleo dos « ricos » das novelas.
Esse sorriso encontrei em Proust, numa pagina de Sodoma e Gomorra. A cena se passa numa recepçao em casa da Princesa de Guermantes :
« … Oriana, Mme de Lambresac esta cumprimentando você.
De fato, viu-se formar-se e passar, rapidamente, como uma estrela cadente um leve sorriso dirigido pela duquesa de Lambresac a alguém que ela tinha reconhecido. Mas esse sorriso, ao invés de se definir numa afirmaçao ativa, numa linguagem muda mas clara, se afogava imediatamente numa espécie de êxtase ideal que nao distinguia ninguém, enquanto a cabeça se inclinava como se ela abençoasse beatamente as pessoas a seu redor, lembrando o gesto que inclina em direçao da multidao dos comungantes um prelado um pouco frouxo. Mme de Lambresac nao era nada disso, de maneira nenhuma. Mas eu ja conhecia esse tipo particular de distinçao antiga. Em Combray e em Paris, todas as amigas de minha avo tinham o habito de cumprimentar, numa reuniao social, com um ar tao serafico como se elas tivessem visto algum conhecido na igreja, no momento da Elevaçao ou durante um enterro, e lhe dirigissem suavemente uma saudaçao que terminava como uma oraçao. »
5 commentaires:
Sorrisos são mágicos mesmo. E refletem os códigos de cada cultura; mormente a francesa tão cheia de sutilezas. O Ronalado sempre me falava disso. Desta necessidade de compreender os símbolos em França.
Mas nada mesmo como um sorriso carioca, sua simpatia seu toque tropical banhado pelo nosso sol.
E talvez falte mesmo um sol para iluminar os sorrisos franceses!
O professor deve ter lavado a alma com o sorriso carioca da aluna, se já não tiver sido cooptado para o leve franzir (que coisa, essa coisa do botox, nunca havia pensado no problema) de boca francesa. Ótimo texto, ótima crônica dos modos de ser de seus novos pares, e como proust acompanhando fica melhor ainda :)
beijo,
clara
" e com proust", claro
bjo,
clara
Essa comunicação não verbal,tento fazer esse exercício/leitura,observo principalmente a expressão corporal,que é reveladora.
Elias Francioni(doctor silvana)
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