A ediçao eletrônica do Liberation de hoje, segunda, mostra o quanto o "caso" do ex-presidente do FMI continua a mobilizar os franceses. Parece que haveria uma corrida nos canais de TV para ficcionalizar o drama novayorkino. E um escritor se apresenta - reivindicando gter sido o primeiro a ter pensado na coisa - retomando a idéia do homem que se autodestroi, com toda a fundamentaçao tragica (grega) e psicanalitica.
Ontem num jantar entre amigos, esse foi também o assunto à mesa. Todo mundo tem uma roteiro na cabeça quanto ao que se passou na tal suite do Sofital de Times Square.
Ai segue a minha. Ou melhor, menos "conspiratoria" das minhas hipoteses. A mas, digamos, social psiquica. Tenho outras mais complexas.
Temos assim, de um lado um poderoso com a adrenalina a mil. De outro, uma empregada de hotel que nao pode perder esse emprego.
Ela, por engano ou enganada por um colega ( resta saber por quê teria sido ela enganada por esse colega), entra na suite ainda ocupada e da de cara com o ocupante saindo do banho, nu. A moça, chocada, realiza que cometeu uma falta grave e teme por seu emprego. Desmonta, desfaz-se em desculpas mas justamente por estar apavorada - nao pelo fato de ele estar nu mas por ela ter incomodado uma alta personalidade, que pode se queixar à direçao do hotel - nao se retira imediatamente. Fica la balbuciando justificativas.
O idiota tem um sentimento de pena e cupidez. A insegurança da mulher provoca nele, ao mesmo tempo, piedade, desejo de ajuda-la e excitaçao sexual. Sentimentos que muitas vezes vao juntos. A humildade dela aumenta seu sentimento de potência. Ele começa a tentar tranquiliza-la, começa a falar com ela, se aproxima, perigosamente.
Ela continua petrificada. Ela compreende o que vai-se passar. Ela sabe que é o momento de fugir e ela tenta fazê-lo. Ele lhe corta o caminho, fechando a porta , olhando-a insistentemente, fazendo-lhe proposiçoes que a chocam e a amedrontam. Ele nao diz nada claramente ameaçador. Ao contrario, ele é gentil, doce. Mas é insistente e vulgar. E esta nu diante dela, nao escondendo o que pretende.
Ela nao sabe o que fazer. E se ele se queiar à direçao do hotel? E se ela for acusada de tentativa de prostituiçao? Ela nao é tola, sabe bem que a relaçao de forças é contra ela. Ela pode amaldiçoar seu colega, que lhe dissera que ela podia entrar mas é ela que tem de tomar uma decisao. Ele se aproxima e lhe diz que nada de mal lhe acontecera, ao contrario, que ele nao quer machuca-la, que ela seja boa, tudo se passara rapidamente, ele tem um encontro dali a poucos minutos, ninguém ficara sabendo, so eles dois, ele esta indo embora e ela nunca mais o vera...
Ela cede, ele nao pede muito, nao é nem mesmo uma verdadeira relaçao sexual, ela se submete docilmente, talvez até com um sorriso submisso e pouco depois, de fato, ela esta livre, ele parte correndo, consciente da enormidade de seu ato, talvez sem nem mesmo olhar pra ela, talvez lhe tendo deixado uma grande gorjeta, nao em pagamento mas em agradecimento...
E ela sai correndo também e vai ao banheiro vomitar. E chora, porque tem de lavar toda a humilhaçao, a revolta e a vergonha de nao ter sido mais forte, de ter-se sentido tao fraca, sera que ela deveria ter gritado, o que é que ele poderia gter feito se ela..., o que ele ficou pensando dela o que aconteceria se alguém soubesse e sua filha...
Ela chora convulsivamente num canto qualquer e é ouvida pelas colegas. Que a fazem falar. Ela nao quer falar mas nao tem forças pra resistir à pressao das perguntas e conta tudo. As colegas se precipitam à direçao e as coisas se encadeiam. Quando ela for interrogada dira que foi agarrada, mantida na cama, que ele a sequestrou e usu de violência, que ela nao consentiu. Que poderia ela dizer dde diferente? Como explicar sob pressao este nao-consentimento que diz sim, essa submissao que vem de outro lugar, que é a submissao do pequeno frente ao grande, que nao começou ali mas vem de muito longe?
As perguntas do inquérito policial so admitem como resposta um sim ou um nao. Tratou-se de uma relaçao consentida? Ele afirma que sim, nao houve uso de força fisica, ao contrario, ele foi amavel e sedutor. Talvez tenha mesmo aventado dar-lhe "um presente", talvez o tenha feito. Quando ele saiu da suite ela nao chorava, ela nao saia correndo, ele nao a deixaria sair correndo e chorando, ao contrario, ela sorria, se bem que um pouco emocionada... Ele relata fatos reais.
Tratou-se de uma relaçao consentida? Nao responde ela. Ela foi violentada. E é verdade.
As coisas com certeza se passaram de uma maneira muito diferente em Nova York. Na Niteroi dos anos 60 elas se passavam assim.