Ontem às 10 e meia da noite mais ou menos, na Gare de Lyon , um entroncamento de estação de TGV , metrô e trens suburbanos chamados de RER ( Reseau Express Regional) , cruzo com um grupo de "jovens" ( como se chamam por aqui jovens negros ou arabes dos suburbios pobres). Aquele tipo de jovem que se vê em filme americano, com aqueles jeans larguissimos, cheios de mensagens e remendos, caindo pelos quadris apesar do cinto, com o gancho quase no joelho ( no verao, com camiseta, metade da cueca fica aparecendo) e arrastando no chao. Boné na cabeça, colares e brincos e aqueles tênis enormes. Muito comum aqui.
Pois é, o grupo vinha cantando alto mas pacificamente. Alegrissimo. Os meninos se dirigiam aos passantes, mais às menininhas, gritando felizes: - Obama Presidente! Acabou o racismo! Viva os negros!
Anteontem, véspera da eleiçao, minha amiga Adeline, martiniquenha, nos convidou pra um jantar com outros amigos. Nao podiamos ir, era vespera também de minha viagem semanal à provincia, a trabalho. Mas como somos vizinhas, fui vê-la de tarde. Enquanto preparava o jantar ela estava scotchada na CNN. E me disse que o jantar seria na verdade uma vigilia. Esperariam juntos a proclamaçao do resultado. Amigos africanos, martiniquenhos, franceses ( parece esquisita essa diferença mas voltarei a ela depois). Contavam conosco, os brasileiros. Pena que nao podiamos ir.
Conversamos e contei-lhe o que lera no Globo, nao sei se no Anselmo ou no Noblat: Obama hoje é o Lula de 2002. E a quebra de um paradigma, nos Esteites, de cor, entre nos, mais sutilmente, de origem. Um presidente da republica filho do Brasil, como diz o titulo de uma de suas biografias, é um novo começo. E a construçao de uma outra imagem, o principio de uma outra narrativa. A decepçao com o governante é outra coisa, e - sabem? - creio que menos importante na "durée".
Por coincidencia, estou lendo Paul Ricoeur, Temps et récit. (Dificil, dificil... mas da pra entender umas coisinhas...) . Ai se lê que é ao contar historias que se constroi a Historia, tanto a pessoal (como ensina a psicanalise) quanto a coletiva( como mostra a construçao do povo judeu em torno da Biblia). Construir e ligar imagens - narrar: voilà a construçao da ipseité, do proprio, da identidade, nao una mas multipla e coerente. Voilà a tarefa individual e coletiva.
E, não estou ouvindo falar em Monteiro Lobato neste momento. Quem se lembra d'O Presidente Negro, a ficção lobatiana na qual um homem negro e uma mulher branca disputariam a presidência dos Estados Unidos?
4 commentaires:
Não conheço este livro de Monteiro Lobato, mas juro que vou procurar.
Quanto a Lula, considero ele o maior fenômeno político a que assistimos no Brasil desde Getúlio Vargas.
E Barack Obama? Bem, se fizer metade do que esperam dele vai ser outro acontecimento político. Não creio, entretanto, que possa. Naquele país, só são aceitos aqueles que protegem piamente a propriedade privada e, principalmente, o grande capital.
Se sair da linha... não faltarão KKK's da vida para riscá-lo definitivamente do mapa.
Agora, o cara é carismático, elegante, ao extremo de seus mínimos gestos, simpático. Uma figura digna dos tempos que vivemos neste terceiro milênio.
O melhor texto que li até o momento, na Internet, sobre a eleição de Obama está no link: http://oindividuo.org/2008/11/05/viva-obama/
Segue o trecho que achei mais interessante:
"O Obama de fato é algo revolucionário. Não por ser negro, ou relativamente jovem, ou não ter vindo de uma família milionária, ou várias outras coisas que o separam do perfil padrão para um candidato à presidência americana. Mas por ser tudo isso e não ostentar tais “credenciais” como se lhe dessem instantânea superioridade moral. Por recusar-se a se tornar um estereótipo ambulante de si mesmo ou de abstratas minorias oprimidas. Ao contrário de McCain, que de 15 em 15 minutos faz questão de lembrar a todos como foi um prisioneiro de guerra, Obama não parte do princípio de que ser vitimizado seja automaticamente meritório."
eliana, vc deve ser a única pessoa que eu conheço que leu o presidente negro do lobato, nunca sequer ouvi falar dessa obra, vc tem o raro dom da memória (não sei de onde tirou que está esquecendo) e desencava coisas inauditas. enfim, mas não acho que tenha paralelo o seu lula e o obama deles, porque lula sentou em cima do projeto político-social que era sua bandeira e pelo qual foi eleito; obama não pode sentar em cima da negritude dele, não pode exorcizá-la, como fez lula com seu legado. o que pode acontecer é o obama não conseguir realizar as mudanças que promete, não enquanto negro, mas enquanto presidente da américa. mas ele ter sido eleito é um avanço, por ele ser negro, claro, mas também porque suas outras qualidades inspiram a todos.
beijo,
clara
Caro Jonga, Kovacs, Clara,
Obrigada por seus comentarios.
Veremos o que o futuro nos reserva a todos via Obama.
Quanto ao Choque das Raças ( O presidente Negro), mesmo se os valores de Lobato nao sao os nossos ( e nao podem mesmo ser), nao ha duvida de que foi um homem o futuro, nao é? ( Clarita querida, adorei seus elogios a minha memoria. Quero, careço e preciso acreditar neles...)
Eliana
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